sábado, 28 de dezembro de 2013

Balada da esperança

E terias dito as mesmas palavras na chance de fazer diferente?
nem que a diferença fosse só o sussurrar do vento
e no mesmo instante do teu lamento
já todas teriam voado sem rumo.

Não que a dureza das palavras purifique a passagem dos dias
nem tão pouco apague as friezas da alma
quando se plantam sonhos em jardins de esperança
tudo floresce mas nem tudo se alcança...

É o triste bailar das letras, banhando nossas mãos
sejam doces ou tortuosos os momentos
afogando-nos o ser em marés vazias
em cada onda, ou nas vagas perdidas
rumando de encontro à areia
numa praia de solidão.

Hoje chovem lá fora
pequenas pérolas sagradas
pedaços de sonho que o céu abençoou
caindo sobre os ombros da nossa culpa...
pois que caiam tempestades,
lavem toda a réstia de sombra
que reste apenas o sonho
o caminho de esperança renovada
que reste apenas o vento lá fora
e a imensa vontade de o seguir
velejando entre as nuvens
mas se eu algum dia cair
que nunca me falte a coragem
de voltar a voar e seguir. 




Aos olhos de um sonhador

Não sei por que caminhos se molda mais a vida
tento ser força, mas abrem-se as feridas
a estrada é longa e lá fora está frio
e cá dentro? cá dentro mora o vazio.

pedem-me a paz, mas minha alma está de luto
não sei mais se paro, não sei mais o que escuto
por onde andas, porque me deixaste entregue à sorte
se hoje não sou nada, sou pó aos pés da morte.

procuro por respostas pra este sofrimento
não calo mais o grito do sangue, nem a voz do julgamento
se me condenam com olhares de tortura
que penem às mãos da amargura.

é de rubro que visto minhas veias
e nem o negrume dos dias cinzentos
me faz jurar montanhas de tormentos
brindo-me em banhos ausentes de cor
mas nem o luto do encarnado me rouba da carne
o vermelho intenso do fogo
florescendo aos olhos de um sonhador.


Promete-me que não vais chorar

Observando-te no horizonte
Baixei a minha guarda
Para que a minha alma te tocasse
E fosse rumo a um lugar distante.

Confessei, nunca te deixaria sozinho
Sei que estas aqui
Ambos fizemos as nossas apostas
Tal como a vela e a tempestade
Com as ondas jurando nos alcançar
E nós, remando contra a força das marés.

Eras o meu farol de salvação
E eu, a luz das tuas estrelas.

Promete-me que não vais chorar
Jura que só brotarás lágrimas de alegria
Porque ambos estamos vivos,
Protegidos, nesta tempestade de amar.

Eu cumpri a minha promessa
Mantive a imensa chama acesa
E hoje carrego-te comigo
Em cada lágrima salgada.

Assim como o fogo que se alimenta do vento
Quero alimentar as chamas do teu olhar
talvez a minha sorte more lá dentro
Renascida das cinzas para me hipnotizar.

Promete-me que não vais chorar
Jura que só brotarás lágrimas de alegria
Porque ambos estamos vivos,
Protegidos, nesta tempestade de amar.




Pensamentos a retalho #21- Luto

E se toda a luz apenas reflectisse a sombra da tua perpétua existência? Pairas sobre todos os meus infernos, bem lá dentro. Respirar torna-se difícil, tão mais difícil que sentir-te aqui. Quase me desacredito. Duvido do que vejo mas nunca me deixas duvidar dos meus instintos. Eles consomem-me e confundem-se com o teu cheiro, aquele mesmo aroma que ainda mora na minha pele. Todos os dias te vejo como ninguém mais pode ver-te. Ofereço-te a minha devoção silenciosa, o meu faminto sofrimento e tu vais-te deixando ficar.
Revisitamos uma vida que já não nos pertence…e nem toda a imponência do tempo será capaz de nos deserdar dos sentimentos que floriram connosco.
Então, fechei os olhos e mais que sentir-te … eu reconheci-te de novo, naquele mesmo sol-posto flamejando os teus olhos.
Já nada faz sentido, nem a tua presença nem a tua ausência… Ah se eu pudesse entardecer contigo…talvez pudéssemos vestir a mesma madrugada.
Agora és apenas semente que alguém teimou em lançar à terra e eu aqui sentada, sobre esta pedra fria, recordo-te em cada lágrima desfolhada, esperando que as minhas memórias te façam eterno.

Essência de infinito


Não procures a luz
se não sabes encontrar-te no escuro
se é nas trevas que moras
são elas que te alimentam a fome de "ser"
e a luz já não te reconhece a face...

olhas o céu, já nenhum infinito te prende
és livre desde que acordaste
e mesmo de olhos fechados
não serás prisioneiro de ausências,
nem escravo das tuas vontades.

permaneces aqui, ou além
vais onde te querem bem
foste onde a imaginação te permitiu
e voltaste

não trazes a consciência pesada
nem herdastes calvários que não te pertenciam
é apenas no sonho que deitas o corpo
e na alma que escreves os sinais de uma nova jornada

nada te prende e tudo te transforma
somos nata da vida
essência de infinito
esculpidos da mesma matéria original do universo
pecamos, como pecam as estrelas
e o maior dos nossos pecados
é almejar brilhar mais que elas.




Pensamentos a retalho #20 - Infinitos

... conjugamos demasiadas vezes o verbo na primeira pessoa. Outras tantas vezes subjugamos a acção ao "nós", na esperança do plural. Porque não acreditamos na força do infinitivo? ... Soa tão melhor, tem ares de uma certa intemporalidade reconfortante e, no entanto, não se faz acompanhar de ninguém... conjuga-se com todos os tempos e permanece em todas as acções. E o verbo fez-se carne e o tempo fez-se escasso e no sonho de conjugar nasceu "Infinitar": a arte de tornar-se infinito. 

Pensamentos a retalho #19 - Morte

...e se a morte não fosse mais que plantar uma nova vida. Lançar à terra o corpo feito semente para que a alma floresça, criando raízes. A mesma terra que se perde sobre a carne plantada transformar-se-á no berço de uma esperança, um sonho de vida eterna muito além da despedida.

Ser Luz


Pensamentos a retalho #18 - Mãos

Sublimes pilares da força interior, capazes de construir, com a mesma subtileza,
grandes obras e guerras sem fim. Forjadas na revolta da criação, são hoje membros de um corpo capaz de edificar-se a si mesmo e a outras obras, de uma outra natureza. 
Dizem que é duro edificar-se, não será por ventura mais duro que deixar-se demolir sobre os próprios alicerces. As mãos que erguem são as mesmas que caem quando o leito arrefece e a jornada se avizinha escura.
Seria mais fácil deixar-se nascer de novo, se a vida construída não fosse por si só uma nova vida, todos os dias, e todas as noites.
São as dúvidas cultivamos que nos minam a vontade de crescer, porém é às nossas mãos que elas se moldam tomando formas tão distintas, quase parecendo fortalezas impenetráveis.
E E, no entanto, temos duas mãos. As mesmas que edificam as muralhas, as mesmas que escalam montanhas de fé, as mesmas que agradecem a graça concedida e as mesmas que juntas se deitam depois do dever cumprido. Também elas procuram outras tantas capazes de unir-se, capazes de criar laços inquebráveis. Uma mão, quando encontra o seu par, e se enlaça, sabe que encontrou na terra, uma espécie de céu. E bastará a simplicidade do seu toque para erguer toda uma vida. Uma mão lava a outra e as duas constroem o infinito.



Sonhar...


Pensamentos a retalho #17- Raízes

Guardamos as profundas raízes que nos prendem a esta vida. Elas crescem e invadem-nos sem piedade, tomando conta de todo o terreno arável da nossa alma. Esperamos que todas as sementes que nos experimentam a pele como quem prova a terra, saciem a sua fome de dar fruto, mas nem toda a semente nasceu para florir. Algumas raízes vivem da sombra. Já mais suportariam as caricias do sol. Assim como o sol nasce para todos os que ousam criar raízes, também a noite se deita em todos os que ousam dar fruto.



Flor de sal

Era fina a flor de sal
que te crescia no peito
desfolhando-se, por vezes
dentro dos meus olhos ansiosos.
perdiam-se pétalas salgadas
desfilando de encontro
ao mar que te banhava os lábios
quentes, como mil sóis em brasa.
e as mãos, traziam o toque do vento
lançando-se sobre o teu mando de areias
acariciando-te o rosto com saudade.
e eu, apenas te admirava
por seres mais que o sal da minha terra
já nem sei se lágrimas que choro
são frutos da tua fina flor de mar
quisera eu que as minhas pétalas
morressem no céu da tua boca
quisera eu salgar-te a vida
e ser todo o sal que albergas
na fina flor do teu ser.




Eu, nós...

um dia, segurarei tua mão
como a noite segura a lua
e nem o medo fará de nós escuridão...
um dia, saberás que pertences aqui
ao dia que nunca termina
e que noite nasceu das trevas dentro de mim
porque eu fui feita para provar teu beijo
e a minha liberdade não conhece outras barreiras
só os limites do teu desejo...
um dia, não serei mais eu
não serás mais tu
um dia, o céu quebrar-se-á
e mil lágrimas cairão sobre nós
mil rios rasgarão as mais altas montanhas
e as suas águas lavarão nossas almas
um dia o vento trará sinais de liberdade
tu serás o meu caminho
eu serei a tua esperança
e nada mais nos aprisionará...




Onde guardaste as tuas asas

Onde guardaste as tuas asas
se é com elas que voas
por onde as vontades se fazem fracas
se o sonho é um rodopio?
Voar é uma roda vida
sente-se a pele florir em brisa
em jeito de alvorada tardia
que cobre a terra com beijo orvalhado.
E já se ouvem as nuvens
carregando no ventre o céu molhado
abençoado pelo cheiro nobre da chuva...
E a terra clama por ti,
a promessa velando a sede
ungida por névoas d'incenso.
Caíram-se as penas
ficaram as garras
E onde estão as tuas asas?
descansam em segredo
bem perto do teu coração
porque todo o Homem é um anjo
quando Deus lhe estende a mão. 




Crónicas dos dias sem fim #1- Liberdades

Liberdades

E estou de volta. E, olhando em volta, tomo plena consciência, de que nunca estive verdadeiramente ausente. Cheguei com a sensação de nunca ter saído, mas se fecho os olhos, sinto-me como se nunca tivesse chegado. 


Sento-me, antes que a nostalgia me sugue o que resta da coragem. Não sei se é por ser segunda-feira, mas talvez tenha pautado a minha vida com demasiadas segundas-feiras... Cheguei em tempos a desejar estar aqui, com todas as minhas forças. E hoje, até a cor da parede me sufoca. Observo em volta... é-me tudo familiar e, no entanto, não me sinto mais na posse de tais objectos. Antigamente fazia questão que ali estivessem, sempre no mesmo lugar. Acreditava que me ajudavam de alguma maneira. Hoje vejo que não passava de mera superstição. Logo eu, que sempre enchi a boca para negar qualquer tipo de crendice obscura, que algumas mentes mais incautas criam para justificar o bem e o mal da sua existência.
Não paro de me surpreender. Sempre fui demasiado ambiciosa para obedecer a um "Não". Eram precisamente os "nãos" que me faziam criar asas e voar mais longe. A irreverência da juventude faz-nos acreditar que querer é poder e que o resto não tem importância. Hoje, aqui, pergunto-me o que realmente tem importância. Já nem reconheço a mulher que me olha friamente sempre que encaro um espelho por ai... Gostava de ter coragem para lhe perguntar pelo paradeiro daquela jovem sonhadora, que costumava madrugar só para ter o prazer de ver o sol nascer da varanda. Porém, creio, saber a resposta. Às vezes, a vida passa, e tudo o resta depois da chuva, são as intermitências reflectidas na estrada...

Um suspiro fundo, há que trabalhar... ( dizem ser o que as pessoas direitas fazem, abdicam de viver para trabalhar, para bem dos mercados, e do seu próprio bem estar, porém cada vez acredito menos nisso). Abro a minha pasta obstinadamente e no mesmo instante oiço o estilhaçar de vidros. Lá se foi a moldura. Era de mogno escuro com detalhes talhados na própria madeira. Uma relíquia adquirida num antiquário numa das muitas viagens a trabalho. Sim porque as pessoas dignas que realmente querem ser alguém na vida, não viajam a lazer. E isso de tirar férias é um luxo de gente fútil que não tem nada mais importante para fazer. Lembro-me que, na altura, me apaixonei por ela. Fazia-me lembrar a casa da avó Joana. Talvez por isso lhe tenha colocado uma foto dessa época. Alta para a idade, a menina que alguns juravam ter o verão pintado na pele e o fogo do outono no olhar. Cabelos enormes, quase pela cintura voando na brisa fresca, adornados por uma rosa bravia de um bege tão pálido que mal se fazia notar nos tons dourados do cabelo. Estava de jardineiras arregaçadas e uma camisola de padrão étnica com ombro descaído. Roupas de uma juventude que já não reconheço. Agia como os raios do sol, mas caminhava como o beijo da chuva. Tão menina, mas tão mais mulher.
E foi naquele momento, ao encarar aquela outra visão tão distante de mim, que acordei. A rotina estava de volta e as pessoas que se prezam costumam cuidar bem da sua. A liberdade é coisa para fracos (corajosos). Os ambiciosos (cobardes) gostam de rotinas... de contas bancárias satisfatórias e de futuros mais ou menos previstos. A coragem é apenas a miragem dos que ousam viver a liberdade de um dia de cada vez... e sejamos sinceros, o mundo sempre preferiu a longevidade. 


Fluam minhas lágrimas...

Fluam minhas lágrimas
lavem o rosto da minha sorte
já que as minhas mãos são causas perdidas
renda-se a mim o azar
filho da dor e tormenta
que corre no rio do meu sangue
pesado, cansado
deste leito de margens bravias
agreste de todas as águas sombrias
procurando-se em águas claras
espelhando fundos de abismo
mais que a paz em minhas amarras
ancoras no barco do egoísmo.
É longa a viagem
e a ira do oceano
é mais leviana
que o mais escuro dos segredos.
Lá, onde a guerra termina
e as ondas, quebradas, se perdem de vista
sossegam as almas
e quem sabe, a sorte
dos que penaram em vida.
Lá, onde sopra o sofrimento
todos dormem,
mas ninguém sabe o nome do vento
e também o azar se deita
às ordens de quem chega e se ajeita
esperando nunca ter que acordar.
Lá, onde mora a ilusão do limite
não há culpas, nem prisão
pois tudo o que a vontade permite
é uma vida vazia e sem perdão. 




Deitada a teu lado

Deitada a teu lado
espreito o silencio
domino o medo
sinto-te o respirar sussurrado
como se me contasses um segredo


Vejo tuas feições tão serenas
fazem-me perder a calma
encosto a minha mão
bem junto do teu coração
e o meu já bate tão acelerado...

Acaricias-me o rosto em câmara lenta
quase sinto o mundo parar de girar
soltas-me os longos cabelos negros
que viajam, deslizando por entre os teus dedos

Num instante, os nosso olhares conversam
olhando-se, fascinando-se, permitindo-se
como tantas outras vezes
e no entanto permanece o encanto da primeira vez

Deixo-me repousar no teu peito
tu embalas meu sono
como é bom ter-te aqui
reconhecer o teu cheiro
encantar-me no simples toque da tua pele
provar a força do teu abraço
tão forte de encontro ao meu
e acabo por adormecer ...
saboreando de um beijo teu.




Balada da noite

fria, a noite
adornada por uma lua de papel
espreito à janela
e lá está ela
quebrada em quarto crescente
embrulhada para presente
num céu puro cristal.
só faltas tu
sem ti sou como lua desfeita
ora crescente ora minguante
e nem as estrelas acalmam a minha escuridão
sou pedaço de espaço desenhado em cartão
e para quê bailar na ausência vazia
se a tua noite sempre for fria...
e volto a olhar para a janela
e a esperança continua a acende-la
e tu ainda tardas em chegar...
e a noite já quase se foi embora
quando chegas-te no raiar da aurora
e trazias o dia contigo
pintado no calor do teu sorriso
e tinhas um manto de universo no olhar
e nos teus braços adormecias a lua cheia
e a noite deixou-se ficar...

Poema em "S"

Se soubesses
o quanto pesa a saudade
essa sede sedenta de sombras

que se vai consumindo ...
se ao menos conseguisse redenção do céu
por todos os passos de ausência
nem que fossem sessenta vezes sete
as orações suplicadas,
no sossego da vigilância solene…
Acabaram-se os segredos sussurrados
sem mais medos…
nem suspeitas…nem silêncios
Apenas o soberano sabor da eloquência
sobrevivendo à sagacidade do passado.
Não se fazem mais cobranças
sem consciência pesada
nem confissões torturadas.
Ai como pesam estas palavras!
Saem trespassadas de sofrimento
sufocadas pela nossa veracidade …
sugando para si
até os segundos mais sagrados.
Suplico-te, não adormeças
sem saciar a sede da ganância
própria da nossa existência.
Porque se me abraçasses
esperando que o mundo em nós se acabasse
talvez um suspiro bastasse
para ressuscitar um oceano de sentimentos. 




Pensamentos a retalho #16- Diz-me o quanto me desejas e sopra...

Diz-me o quando me desejas e sopra... 
As vontades nascem no coração e soltam-se no vento. Sabe Deus onde irão chegar. 
Os cépticos nunca alcançarão desejo algum, simplesmente porque não acreditam. Há quem se julgue dono da fé... mas a fé não se resume em acreditar numa entidade cósmica superior a todos nós, é tão simplesmente a intensidade com que nos acreditamos uns aos outros. 
Nunca digas que não acreditaste que seria possível... estarias a mentir. Gostas de fingir essa atitude muito segura de ti mesmo, quase inabalável, mas em ti ainda vive uma criança cheia de sonhos, que um dia correu pelos campos em busca de dentes de leão. Essas pequenas flores estranhas que a natureza incumbiu de, com um simples sopro de fé, espalhar desejos por esse mundo fora.
Dá para imaginar? A sorte de cada semente. Bailando nas asas do vento levam a essência do sonho a plantar no coração da terra... Dá para imaginar? Que aquela mesma semente abençoada pelo nosso sopro irá crescer e ser novamente um ninho mágico de fé para outras pessoas, outras crianças, outros amores?
Hoje ao olhar para este pequeno dente de leão florido, não imagino quantos desejos já terá plantado, nem quantos ainda terá para semear... sei que carrego a fé nas minhas mãos e segundos antes de o soprar, apenas desejo que me desejes tanto quanto te desejo a ti.... e talvez este pequeno mensageiro se plante no teu jardim, quem sabe um dia lhe digas num sopro quase sussurrado o quanto gostas de mim. 

Ultima cena


Da próxima vez, não serei parte da tua plateia
Entusiasmar-me em dia de estreia
E esperar aplaudir no fim

Mais uma vez, vou ser figurante em filme de acção
Quase morrer segurando a tua mão
Sem medo de me repetir

Eu quero ser, parte do elenco principal
Ensaiando uma cena banal
Quase esperando um final feliz

Não quero ficar, no escurinho do cinema
Sem que faças parte do meu esquema
Perdendo a parte que vem a seguir

Paralisar-me no centro da tua atenção
Parar a trama mesmo sem ter razão
E conhecer a história antes de eu chegar

Realizar tudo o que tenho a dizer
Deixar-me ficar até adormecer
Mesmo sem saber, puder acordar em ti

Não quero voltar a ser, personagem errada
Que aparece apenas em cenas cortadas
A quem toda a gente finge conhecer

Quero ver, o fechar da minha cortina
Com implacável glória de heroína
Levantando alto bem alto o meu troféu

Sair da tela e assumir uma trama mais real
Sem roteiros criados à pressa em papel
E esperar que a morte me venha assistir. 





Onde estavas?

Onde estavas quando te sonhei
não me lembro de te ter perto
e o deserto da noite é longo de mais
as minhas páginas já estão cansadas ...

Fiz-me fogo de verão
sem conhecer a praia dos teus braços
e trago cravado na carne
um oceano de perpétua saudade

O tempo não espera?
derrama sobre mim
a soberba cor outonal
carregada de branda sagacidade

E onde mora o inverno
já se perdem as vertigens
da audácia que desejava
ver estrelas brilhar
no lugar do coração.

Já chove...
são as mágoas feitas pingos de chuva
são as dores de um céu
ausente de ternura
e onde estavas?

Quis que fosses pronuncio de sorte
voando solta de encontro à primavera
Um contentamento renascido das cinzas da velha alvorada
e tudo se desfez...
foram páginas arrancadas...
Já acordei, mas ainda não sei onde estavas.






Pecado original

Delinear as curvas do desejo
Deixando escapar por entre os dedos
As longas planícies do teu peito
Forjadas nas fornalhas do prazer.

Delicia, coberta de pecado original
Florindo cheia de malícia
A ti entrego toda a ira selvagem
Encarnada na fúria da minha pele

Aroma despido de preconceito
Se arrasta soberbo
Desfolhando as amarras do meu peito
Tirano, ávido de posse…

Convidados de um banquete servido a dois
Honramos fracas luzes
Exibindo puros reflexos 
Unidos no rosto atento de um espelho. 

Como Afrodite no Olimpo
Transfigurando o próprio instinto
Ardente, sufocante, 
Seduzida de poder e de ciúme 
Disputando, longas e sustidas guerras
Eclipsadas pelo amor de um Zeus 
Rendido aos apelos mortais. 

Quero saciar a minha sede de sal
Nas águas abençoada do teu beijo
Exorcizar todos os meus medos mais profundos
Afogando-me na ganância voluptuosa do teu desejo

Caminho de luxúria tão perfeito
Cravando as garras no meu sonho
Encontras-me
Eu perco-me
E rendo-me sem receio 
De arder na tua paixão.
Queria ouvir-te mas não te oiço
Apenas sinto o murmúrio ofegante
Da nossa respiração compassada
Tão profunda e ritmada
Que quase me leva à exaustão.

Conheces-me melhor do que eu
Roubas-me tudo o que te nego
Em troca, Entregas tudo o que espero
E não espero
Esperando-te novamente.

E assim deitas por terra
Toda a minha divindade
A louca esperança de salvação eterna
Infligida na carne dos teus pecados 
Pois se tenho de morrer 
Ressuscita-me
Acende-me o fogo no sangue
Sempre que a mim te entregares.

Oh, bendito seja este sacrifício
Brindado pelo cálice da criação divina
Nem Adão e Eva no paraíso
Almejaram um inferno tão perfeito. 

Que espécie de céu é o teu corpo
Que me envenena a alma
Se te ausentas, desejo-te 
Mais do que alguma vez desejei o próprio céu.

Então, voltamos ao princípio
Ao que eras, ao que eu fui
Separando a noite do dia,
O meu bem, do teu mal
Somos íntimos demais
Somos fracos demais
E porém acordados,
Desejamos o mesmo sonho
Premeditando conjugar as forças
Em todo o pecado original. 






Súplica ...


Um passado vestido de futuro presente

E na nudez das minhas palavras
Eu te dedico o meu passado 
E tudo o que serei no futuro
Embrulhado na dádiva do presente
Aquele sentimento fugaz.
Não serei mais eu
Depois de me esvaziar em ti.
Minha boca não mais
Irá proferir tais versos
De natureza fria e calculada
Esperando ir de encontro
Ao calor do teu peito.
Nunca, um outro segredo
Fora então revelado
De outra forma tão vazia
Nem tão cheia de tudo
O que eu esperava que fosses
Nem eu mais me reconheço.
Haverá sempre um antes de ti
Mas depois de ti
A fronteira quebra-se no tempo
Mil pedaços de estrada
Mil espinhos de rosas abandonadas
Mil cacos de mim reflectindo a tua ausência.
Não minto mais…
Muitas palavras já se lançaram ao vento
Não tardo mais…
Vou partir enquanto há tempo
Enquanto me permites encontrar-te.
E se em cada esquina do mundo
For capaz de rever-te
Então que parem os segundos
Não contem mais a ganância das horas
Eu apenas pergunto:
Porque tanto demoras?
Não sei se respondes
Mas quem cala consente
E Acredito que me queres, piamente
Desde a primeira vez em que me viste.
Não digas nada…
Apenas sente,
Se a boca cala
Quando é o coração quem fala
Quando os olhos não suportam mais a dor
Sente-me, mas sente de verdade
Descobre-te aqui, no reflexo do meu amor.
Então chora, se valeu a espera
Não penes mais, implora
E o passado será chaga
E o futuro será agora
E o presente?
Fico à espera que mo ofereças
De corpo e de mente. 




Herança de uma máscara caída

Era fria, 
calculava cada passo que dava, 
na esperança de nunca se partir 
em duas metades.

Moldava-se,
por entre os estilhaços
dos vidros quebrados
em seu redor.

Escondia suas fraquezas
demorando-se na sombra
aninhando-se no colo
da sua velha mascara.

Esguia,
dobrando-se aos seus próprios desejos
duvidava da segurança das muralhas
erguidas por si
que sempre acabavam derramadas aos seus pés.

Cansada,
de sofrer, de erguer-se
num triunfo que não lhe pertencia
acabava morrendo
às mãos de quem não queria

E agora?
o que sobrou da velha mascara?

Sobrou de herança
a espezinhada esperança
e um rosto lavado em lágrimas
mostrando o verdadeiro olhar
de um coração partido em duas metades. 




Coragem


A crueldade da razão

Cruel é a razão que nos tortura
a perseguição sagaz da culpa
a blasfémia das palavras proferidas
a tentação das lembranças esquecidas...

Falsas modéstias premeditadas
pares de duas faces moldadas
ao sabor boémio da mentira
que alimenta o ego e rouba a vida.

Loucura é achar a raiva
procurando a cura
nos desertos amargos da alma
onde a única coisa palpável
é a ironia das palavras
que nunca foram proferidas.

Sarcasmo talvez....
ou apenas pura lucidez
de um olhar que embora cansado
nunca adormece sem oferecer
o seu último pensamento.


Amadurecer...

Esperas ficar maduro
se é de verde que forjas tua essência
ainda nem eras flor

e já terra te dava sopro de vida.

Tens raízes longas
mais profundas do que talvez tenhas sonhado
sustentas a realidade da vida
nos frutos por ti desejados.

E é na flor que provas o que é viva
se é a raiz que te alimenta
é o teu peito vestido de verde
que dá sabor a todas as tuas colheitas.

É o divino aroma dos teus predicados
que te faz chegar mais longe
mas só quem prova o teu sabor
sabe de onde vieste.

Tens a terra debaixo de teus pés
esperando as tuas sementes
ajoelha-se a vida em ti
procurando reviver-te em teus descendentes
e assim amadurecerás para a vida eterna. 




Pensamentos a retalho #15- Será que podes guardar segredo?

Há pequenas coisas que não contamos a ninguém. são pedacinhos de nós, que gostamos de guardar como pequenos tesouros. Pequenas histórias dançando abraçadas a cada lembrança nossa. Será que confias em mim cegamente, do mesmo modo que, de olhos fechados eu confio em ti? A confiança é algo tão precioso e tão fácil de quebrar... e nós quebramos tantas vezes. E parte de nós morre a cada confiança que se perde, a cada confidencia revelada por descuido, por acidente, por traição...

Como podereis confiar em outros se não confiais em vós próprios? Olhas o espelho... acreditas em ti? Confias em todas as tuas capacidades, de olhos fechados? Ou deixas-te vacilar na primeira dificuldade? Aceitas o que és, ou lutas para ser quem queres?
Fixas o olhar no espelho novamente... acreditas no que vês. És tão teu como do mundo e só tu te podes valer.

Guardas para ti todas as confidencias que fazes em cada manha.
Só tu sabes o quanto é importante. E quem confia em ti não precisa de palavras, um silencio de cumplicidade confessa todos os segredos. Um olhar profundo desarma qualquer alma... Segredos todos temos, mas só quem sabe escutar o silêncio os consegue guardar. E sempre que olhares no espelho eu estarei contigo, mas não digas a ninguém.... é segredo.

Espelho D'água

A verdade está escondida nos teus olhos
presa na ponta da tua língua
apenas fervendo no meu sangue

reflectindo neste espelho gelado
o mesmo rosto de sempre.

Como possuir o que não nos pertence?
como decifrar códigos invioláveis?
como observar sem temer?
sem se perder?

Apenas vazios.
encontrados deste lado do espelho
adormecidos e acordados
no mesmo reflexo
de mares por descobrir.

Degrau a degrau
se descobre o caminho do céu
mas mesmo assim não consigo tocar-te
talvez mores do outro lado do meu espelho
talvez o teu reflexo conheça o meu
noutro mundo que não este
noutro espaço que não o nosso.

Pedaços de mim
desenhados neste espelho d'água
sombras de ti
presas em cada traço
deste reflexo
disperso em tudo o que vejo
algo que me pode sufocar
mas que eu quero
que seja verdade.




Em câmara ardente...

perdes-te por mares imensos
cobertos por densos mantos de incenso
dormindo por dentro
acordas em ti suspenso
submerso mas intenso
nas longas madrugadas da vida.

é o passado que se faz presente
é a injuria carregada pelo inocente
não arde, não cura, fica em câmara ardente
consumindo a plena fé dos crentes.

não é o ardor da pele queimada
nem a chama da alma velada
se em morte somos tudo
da vida não levamos nada
sobra ser pó ...
das nossas eternas jornadas.




Não sei onde estas letras me levam..

Não sei onde estas letras me levam. 
Não sei se as apague
Não sei se as grave
Nem sei se as devas ler.

Foram escritas de olhos fechados
Revelam todas os sentimentos guardados
Que a boca nunca falou
Que talvez nunca chegue a falar.

São segredos,
Criados no espaço de dois para um
Universos paralelos descritos numa folha de papel
Por vezes brandos, cobertos de ares amenos
Por vezes tempestuosos, cobertos de grandes silêncios
Por vezes vorazes, desprovidos de causa moral.

Não sei onde estas letras me levam
Nem que caminhos farão depois de as leres
Talvez morram, talvez vivam
Talvez se percam apenas
Se nunca tiveres ousadia de as conhecer…




Pegadas...

Simples pedaços de nossos passos
deixados ao acaso nos caminhos da vida
amarrados ao chão, com cordas de pó
deixando em cada passo a marca que nunca se apaga.

Nem sempre se mede o tamanho dos passos
mas sempre se escolhe onde se deixam as pegada.
caminhos fazem-se por ruelas já antes palmilhadas
habitadas por sombras ou assombradas pela própria luz

Mas nunca se deixam para trás as pegadas antigas
elas desenham as novas ruas desmedidas
de lápis bem afiado e linhas perdidas
numa completa e verdadeira comunhão

Fica a pegada entranhada
na urgência da estrada
e a estrada gravada
em todas as pegadas
que se erguem da alma do caminhante. 




Dois

são marcas...
que ficam,
que se apagam


são conversas que temos em silêncio
são incêndios que esperam o calor de novas chamas
são dias que nunca conhecem a noite
são mesmo antes de o serem

como somos tu e eu
dois espaços num universo nosso
duas linhas convergentes num só ponto
duas estradas errantes terminando no mesmo destino

um mais um igual a dois
matemática de sentimentos
quimica de problemas nunca admitidos
resolvidos ao sabor da propria filosofia de cada um

revoltados tiros no escuro
que as vezes acertam sem querer
mas que deixam marcas profundas
entranhadas no nosso ser.