segunda-feira, 10 de junho de 2013

analisando o 10 de Junho... ( crónica actualidade) #1

10 de Junho- Dia de Portugal, de Camões  das Comunidades portuguesas, ou para muitos, apenas mais um feriado no calendário. Ok, sei que ultimamente as coisas por cá não são um mar de rosas ( bom talvez nunca tenham sido) mas já vai sendo hora de darmos um pouco mais de valor à nossa cultura e ao que temos de bom... esquecer um pouco as politiquices falhadas é saudável.

O português costuma gritar aos quatro ventos o seu descontentamento mas continua a só se importar com alguma coisa quando " lhe chegam com a roupa ao pelo"... manifestações de ultima hora, cheias de indignação não levam a lado nenhum. è tempo de AGIR, SALVAR  o pouco que nos resta. E muitos perguntarão: COMO?
A resposta é simples... aposte-se no bom que cá existe. estamos tão cegos com o que corre mal e tão inundados pelas alegadas "maravilhas" que vêm de fora que nos esquecemos o quão extraordinários somos quando nos aplicamos à seria. Um bom exemplo de como negligenciamos o "produto nacional" é olhando para o nosso consumo cultural. Há um total descrédito por quase todas as artes que trazem o selo "Made in Portugal", mas PORQUE?

Será que a literatura estrangeira é melhor que a nossa, ou a musica estrangeira mais apetecível que a nossa? E o cinema, e a fotografia, e a dança???

A memória do povo é curta. Esquecem-se com  facilidade que Portugal é um dos países com as fronteiras mais antigas do mundo. Que foram os portugueses que descobriram metade do globo. Que a Língua Portuguesa é a 5ª mais falada... Que foi um português  que fez a primeira viagem de circum-navegação... Que foi pelas mãos de um português que nasceu uma das maiores epopeias de que há memoria... Que fomos "donos" de um grande império ultramarino... que mesmo calados pela censura, foram os portugueses que protagonizaram uma revolução pintada pelo perfume dos cravos... que entre a lista dos premiados com Nobel constam os nomes de 2 portugueses... que temos uma das mais antigas universidades europeias....um sem fim de monumentos e quase todo Portugal é digno de ser chamado Património da Humanidade.

Talvez eu possa parecer saudosista, mas eu continuo a acreditar que vivo num país onde é permitido sonhar e onde havendo vontade, os sonhos se realizam. E acima de tudo lembrem-se que UM PAÍS SEM CULTURA NÃO EXISTE.

ser Poeta

Poeta é todo aquele que sonha em papel
e quando acorda, adormece de alma lavada.

Vive preso num mundo sem casa
quando a sua casa é a própria fantasia

Abre as mãos cheias de nada
Conta historias de quase tudo

No auge da sua epopeia
perde a fala
fica de dedos mudos

E mesmo sorrindo
chora medos
bramindo
um tanto de alegria
um pouco de dor

Quem o compreende?
Quem nunca se encontra
mas sempre se sente.




Os herdeiros do Ultramar- #1

Vivia os dias, um após o outro, sempre acompanhado de meras tentativas frustradas de escapar à avalanche de lembranças que lhe afloravam à mente. Para onde quer que fosse os seus fantasmas nunca o abandonavam. Gritos ecoavam, na sua mente, como se fossem proferidos em tempo real, como se os seus ouvidos sucumbissem ao vibrato ensurdecedor... Samuel, apenas tinha tempo de levar as mãos às têmporas, totalmente possuído pelo desespero. Fechava os olhos.

Sempre que os fechava, voltava àquela terra. Tão quente, cheia de natureza e abundante de maravilhas, onde o sabor do pó vermelho do chão se misturava com o aroma do barro do qual eram feitos os corpos negros dos seus habitantes. Mas Samuel é agora alheio a tudo isso. As feridas que a guerra lhe cravou na alma torturam-no, sufocam-no, levando consigo qualquer lembrança mais suave que possa ter de África.
África era para ele sinónimo de inferno. Como pode uma pessoa voltar a viver depois de enterrar a sua própria alma? O seu corpo sobreviveu a três longos anos de recruta, mas a sua alma perdeu-se na guerra. Sempre foi desertora. Tanto pelo que os seus olhos viram, como pelos actos insanos das suas mãos. Ainda sente o clamor do sangue ardente daqueles que suspiraram pela última vez, e caíram sobre os pés dele, de olhos revirados expressando o horror de uma guerra que não era sua. Nunca conhecemos os nossos limites até estarmos prestes a perder a existência. Ele arriscou salvar a pele que lhe reveste alma, mas hoje sabe que preferia ter perdido a vida. Sabe que hoje, mais do que nunca, desejava que a morte o tivesse convidado a entrar na sua murada. 


Hoje não passa de uma sombra errante, sem um laivo de esperança, a quem a amargura do Ultramar pintou de sofrimento.
Mas hoje, Samuel cumpre uma pena pesada, talvez a mais penosa de todas... vive algemado às grades de uma quase vida, arrastando sofregamente o que resta da sua perna esquerda, arrancada pela força de uma mina... hoje Samuel é apenas um corpo vazio a pagar por todos os seus pecados, talvez até pelos pecados que não só ele cometeu, também ele é uma vítima.
Recebeu uma medalha, mas nem a pátria o salva dos tormentos de uma consciência pesada. 


Venceu a guerra?

As guerras nunca se vencem. Apenas contabilizam perdas irreparáveis nos corações dos seus filhos. Ele, Samuel Guerra, sobreviveu, tornando-se ausente de si mesmo... a sua existência perdeu-se, ou talvez tenha morrido mesmo antes dele próprio nascer de novo.

pensamentos a retalho #13 - Navegar

Trespassar laivos de tinta salgados, ou doces, quem sabe? Vamos galopando nas ondas e o vento torna-se apenas nosso companheiro de viagem. Aquela força que nos empurra para a frente. O suave movimento marítimo, tão calmo e poderoso que num só murmúrio, canta toda uma vida, repleta de ciclos e histórias de evolução.
Quem sabe, se nós, a própria raça humana, num passado mais remoto, possamos ter sido pedaço de todo aquele profundo azul? Há teorias sobre isso, mas verdade seja dita, nenhuma gota daquela imensidão revela esse segredo capital. 


Só de imaginar que, debaixo daquele pacifico manto, onde se reflecte o céu, imerge uma gigantesca e quase aristocrática fonte de vida. Até parece mentira. Como podem aquelas águas de ar pacificador, albergarem tamanho frenesim em suas entranhas. Ah, segredos da vida.
Uma vez, disseram-me, ao ouvido, que o mar é um grande lago formado pelo choro da mãe Terra e que em cada gota de sal se esconde um segredo. Ao desfolhar o paladar salgado nas nossas línguas desvendamos um pouco desses segredos. 


Mas será que o fazemos com a atenção necessária para ouvir o choro manso da Terra? Acho que não. Preocupa-mo-nos mais em falar. Escutar nunca foi o nosso ponto forte. Distrai-mo-nos com relativa facilidade e lá vamos nós, de olhos postos no horizonte, sem fim à espera de algum acontecimento grandioso e magnifico, quando na realidade o que existe de magnifico em toda a viagem, é o caminho. 


Não há riqueza que pague um fogo de artificio tão inebriante como um nascer do sol. Assistir a todas aquelas pinceladas de cor no céu a estenderam-se nos muitos espelhos d'água baloiçando ao sabor da ondulação. O oceano aparece trajado a rigor preparando-se para mais um dia de festa. E nós ali, pequenos pedaços de matéria viva contemplando um dos maiores mistérios da criação.
Será que o mundo se resume a uma vida? Será que a vida se resume à Terra? Será que o Universo tem fim? Será que existe matéria para lá do Universo?....
Talvez uma destas gotinhas salgadas me desvende esses segredos existenciais, ou talvez eu me deixe rendida apenas à arte de navegar... e tendo o vento a meu favor, vou velejando pelos oceanos da vida.

Crónicas de um lugar chamado NUNCA # 1

Ali estava ela. Sentada no baloiço improvisado de sempre. O livro estava aberto no seu colo enquanto o olhar atento deambulava entre a realidade e o sonho. Corredores imensos apareciam na sua frente, ladeados por grandes portas inertes, esperando desesperadamente serem corrompidas. Mas ela não se deixava seduzir por alegadas grandezas, buscava nas coisas pequenas o refugio sagrado dos bens maiores. 

No fundo daquele gigantesco corredor encontrava-se o desejado objecto de curiosidade, capaz de lhe roubar toda a atenção. Então, de passos apressados pela urgência de aventuras, abriu a pequena porta com a sua também pequenina mão. Quem haveria de imaginar que, aquele pequeno pórtico, albergava dentro de si toda a grandeza do universo. Um grotesco buraco negro sugando toda a imensidão para si, com todas as constelações acesas, formando um verdadeiro caminho de luz. Embora o caminho lhe parecesse não ter fim, sentiu os pés pairarem sobre um chão que não conhecia mas que lhe parecia infinitamente familiar.


Observando, seus olhos quase não acreditavam no que viam. Lugar onde gatos falavam, coelhos carregavam nas costas o peso do tempo. Mas o tempo parecia nem se importar. Corria para trás e para frente, no mesmo frenesim de sempre, alheio aos apuros dos demais. Estranhamente, para ela, o tempo parecia ter parado. Enquanto travava conhecimentos na sua recém descoberta chegada, degustava um belo chá tipicamente inglês, servido por um gentil cavalheiro. Ainda não tinha tomado o ultimo gole de emoção, já ao longe avistava, uma tumultuosa multidão de pequenos escudeiros disfarçados de cartas. Desembainhando todo o naipe de espadas, corriam de encontro à pequena forasteira, comandados por uma enigmática figura. De semblante carregado, olhos fitados nela, tão enfurecidos que pareciam arrastar consigo todos os tormentos do infinito. Uma pequena coroa adornava-lhe o topo do orgulho, e nas mãos carregava audaciosos corações. Os da terra prostravam-se perante aquela figura austera. Conhecida pela sua gananciosa esperteza, não devia nada à beleza e apesar de ter nascido entre a realeza, era senhora do Reino de Copas. Abeirou-se furtivamente dela, observando-a com tanto espanto e aspereza, gritando a plenos pulmões:


- Quem és tu forasteira? 

A pequena menina assustada, quase susteve a respiração. O seu coração parou por breves instantes. 

Acordou de repente do nada, entre as cordas do seu velho baloiço. Porque o nada para ela era tudo e o tudo era quase nada. Reconhecendo a voz que a chamava, exclamou cantando de voz afinada:
- Chamo-me Alice e tenho maravilhas para contar.


No reino da Fantasia

Nasceste em páginas brancas
naquelas tardes enevoadas
longe das letras rasgadas
pela força imponente do verbo sonhar.

Corres de encontro ao nada
armado de capa e espada
como os heróis das historias encantadas
tão cheios de monstros
tão poucas as fadas
procurando aventuras imortalizadas
num pra sempre final feliz.

Fazes da noite o teu dia
envolto em cores de magia
vives de olhos fechados
mas sonhas com arte
amas o mundo mas vives à parte
das dores que te fazem sofrer.

Acordas sempre coroado
rei sem trono
príncipe sem fado
trajado pelas mãos da fantasia
coração pequenino
carregado se sabedoria
e olhos cheios de amor

Desencantas tuas princesas
com traços de luz
sem falsas promessas
escondidas num mundo
que vive às avessas
mesmo abaixo dos teus pés
mas perto, tão perto do céu.

Reino que mora tão longe
cheio de encruzilhadas
feito de montanhas escaladas
pela coragem e ousadia
dos que ousam desafiar
as muralhas da fantasia.
 





Pensamentos a retalho # 12- Cronos- Caprichos de um senhor chamado Tempo

Olhando para os tantos fins de tarde da nossa vida, vislumbrando as mesmas pegadas na areia molhada. Paragens no tempo. Não, o tempo não nos concede o direito de parar. Ele corre, esgueira-se pelas ruelas famintas do nosso ser. Nós, como fieis seguidores, seguimos ordeiramente sem levantar grandes questões. Talvez por não reflectirmos sobre essas reticencias que se vão cruzando connosco por ai, ou por pura preguiça. 


Incógnitas. Mas o que seria da vida sem os seus muitos imprevistos, sem as pausas forçadas e audazes? Nada. Não seria nada. E os dias vão passando. O mundo vai acabando todos os dias, a casa segundo. Não só para quem parte rumo às estrelas, mas também para quem fica. Lágrimas são como rios. Tão profundos e de caudal tão denso. Haja coragem para as cessar. 

Precisamos de aprender a lidar com sentimentos de perda. Abrir as mãos, deixar partir aquilo que não nos pertence, abraçando apenas as doces lembranças que ficam. As lembranças ficam sempre. Inscritas em tudo aquilo que somos. Na verdade, são as perdas que nos fazer maiores. Os ganhos enchem-nos os olhos de orgulho e o orgulho rouba-nos a capacidade de ver mais longe. Não adianta pensar no que deu errado, é necessário mais que isso. É levantar-se e dar as mãos ao tempo, correndo lado a lado e quando o cansaço nos pesar no coração, teremos sempre o colo das areias do tempo, e um belo por do sol para admirar.


Pode até chover, mas todos os dias a noite dá lugar a um novo dia, e o que partiu não tardará a chegar. Nem que seja por ironia do destino. Também as aves partem a cada inverno mas regressam a tempo de aclamar a primavera. Também o coração se revigora a cada batida... também tu te demoras no colo do tempo, enquanto o tempo se apressa dentro de ti.



Incandescência

Se a incandescência 
das tuas pétalas tardias
curasse os meus instantes gelados
retraídos e guardados
em pequenos pedaços quebrados
devagar, quase parando 
o pulsar do meu coração.

Páginas banhadas de fogo
queimando notas antigas
rosas negras e sofridas
dando de beber às feridas
que o tempo se recusou a curar.

No chão deitam-se agora as cinzas
nas sombras do que ainda restou
procurando o rastilho
por entre as brasas de lume bravo
atiçado pelo beijo das brisas de inverno

E nas mãos ardem
retalhos de sonhos,
pequenos pecados sombrios
embrulhados em finos detalhes macios
apertados pela fineza da dor
e adornados com saudosos laços de amor.

No peito jazem as ultimas chamas inflamadas
tão frias e delicadas
espalhando o mesmo perfume
estilhaços floridos de mágoas
plantados pela força do destino
criam teias enraizadas
nas entranhas do meu coração.

Por ultimo, cessam então as águas
os últimos rios de sal
deslizam do meu rosto
apagando as marcas do incêndio
que a paixão ateou um dia
mas que hoje, se reflecte
no espelho verde dos meus olhos
com a mesma intensidade
com a mesma estranha força
que baptizaram de saudade. 



( foto de António Rocha fotografia)

Antes que o mundo se acabe

Não ousarias provar
o doce dos meus lábios
sem antes encantares meus olhos
com os medos que bailam nos teus.

Nem tentarias jamais
pousar teus delírios cruéis
nas madrugadas da minha pele
sem antes inflamares a tua própria sombra.

Poderias até derrubar
todas as trevas de orgulho
que rastejam dentro do teu peito
mas nunca sem antes
te acordares em mim.

E do céu chegariam
cartas de liberdade
e do mar chegariam
ventos de vontade
mas não sem antes
derramares em mim
todo o teu amor.

Os nadas seriam tudo
e tudo seria nada
e nunca seria para sempre
e para sempre seriamos apenas um
antes que o mundo se acabe. 



(imagem do Google)


A outra face da Lua ( mini conto)

Desconheço o tamanho do universo. Esse imenso espaço estelar maior do que tudo e ao mesmo tempo tão pequeno para ser compreendido. Talvez sejamos nós pequenos demais para compreender tamanha ousadia da natureza. Estamos longe de alcançar os desígnios de Deus ( ou de qualquer outra entidade superior). Ainda ontem, dei por mim a observar aquele luar que só se levanta em Janeiro.... mas curiosamente, não estávamos em Janeiro.
Todas aquelas estrelinhas salpicavam um céu não negro mas nenhuma delas, em todo o seu esplendor, brilhava mais do que a Lua. E perdi-me por alguns minutos, em todo aquele vestido de luz resplandecente. Queria, no entanto, afastar da minha mente uma certa nostalgia com que algumas lembranças me brindaram iluminadas pelo mesmo astro que eu observava com ternura. Porém´era completamente inevitável. Qualquer esforço que eu fizesse para o evitar tornava-se numa insignificante tentativa frustrada. Creio que talvez se tratasse de um golpe de ousadia do meu subconsciente. Nunca consigo controlar o ritmo das minhas memórias. Elas chegam e entram em cena sem nunca pedirem licença nem se fazerem anunciar.


Já foi há tanto tempo, e no entanto, lembro-me como se toda a infância tivesse sido ontem. É curioso como que à medida que vamos crescendo damos mais valor ao que deixamos nos recantos apagados do nosso passado. Aquela Lua em toda a sua magnanimidade e resplandecência transportava-me para as minhas muitas noites passadas na Quita da Vila-Nova e acaba também por me relembrar muitas das minhas questões de criança. Era curiosa demais, espevitada de mais, humana demais... ( acho que todas as crianças são assim, faz parte da sua natureza ainda pura no auge da ingenuidade).
Eu achava a quinta um lugar incrível. Havia animais por todo o lado, campos a perder de vista e debaixo de um velho e frondoso carvalho estava o meu baloiço. Construído de forma rudimentar com o auxilio de duas cordas e de um velho pneu. Um pequeno luxo para quem adorava sonhar todas as tardes com o embalar daquele baloiço, imaginando ser a própria Alice, num qualquer País das Maravilhas criado a preceito e com o privilégio de ter como hino, o canto dos pássaros.


E foi ao regressar de uma dessas muitas viagens de sonho imaginárias que aterrei bruscamente no chão. Um grito, seguido de choro insistente levou a minha avó de encontro a mim em poucos segundos. Pegou-me ao colo tentado consolar-me, depois de verificar que teria sido apenas um susto. A princesinha estava inteira e pronta pra outra assim que as lágrimas cessassem. Entretanto o sol despedia-se lá no horizonte e deixava o céu com labaredas de cor a recortar os montes. Mas eu era completamente alheia a toda esse espectáculo...continuava a chorincar. Coisas de criança que adora reclamar atenção para os seus pequenos dramas, que no seu entender, são demasiado importantes para se prestar atenção em simples pores do sol que, alias, acontecem todos os dias.

Entramos. Ela sentou-me na velha poltrona e saiu. Os poucos minutos que esteve ausente pareceram uma eternidade. Quando voltou trazia um livro enorme nos braços. Pousou-o em cima da mesa e preparou-me um copo de leite. Em seguida pegou-me ao colo deu-me o copo de leite morno para as minhas mãos, que funcionou como anestesiante para a minha caprichosa dor. Começou a folhear o livro, narrando uma historia engraçada sobre uma menina como eu. Hoje sei que tal historia era fruto do seu incondicional amor, pois aquelas páginas albergavam lindas ilustrações e muitas outras palavras que ela não leu, simplesmente porque não as reconhecia. Mas isso são apenas pormenores que pequena importância, que em nada diminuíam a fabulosa historia. Cada uma daquelas palavras ainda permanece em mim, e creio que se fechar os olhos ainda de oiço a ternura da voz nas ultimas palavras....

- ...então a menina deitou-se debaixo daquela velha árvores cheia de sonhos e viu a lua gigante por cima da sua cabeça. Mas estava com tanto sono que lhe pediu um beijo de boa noite e enquanto fechava os olhos sentiu o leve toque da brisa no seu rosto, que lhe entregou o esperado beijo dos sonhos.

- Avó, porque é que a Lua brilha tanto se o céu é tão escuro?

- vou contar-te um segredo. A lua acende-se de noite porque as estrelas têm medo de guardarem a noite sozinhas. Tal como tu precisas da luz acesa para espantares os teus medos de dormir... e sabes porque brilha tanto? Porque dentro da Lua vivem muitos sóis pequeninos. Eles acordam todas as noites e abrem as janelinhas dos seus quartos para que a Lua toda se ilumine e se erga no céu.

E enquanto fecho o livro, uma gotinha de sentimento escorre dos meus olhos brilhantes de saudade banhando a capa já marcada pelo tempo.
Olho a Lua cheia de sóis pequeninos uma ultima vez, e creio que hoje também tu serás uma dessas estrelinhas que a Lua recolhe em seu regaço ou talvez mores na própria Lua, só pelo simples facto de te ver sempre que olho para ela.



Pensamentos a retalho #11- Pequenos milagres

Dizem que as flores mais bonitas são as que nascem nos terrenos mais inóspitos ... as almas mais bonitas também. São as flores que nascem na ausência da chuva, as mesmas que esperam pelas gotas de orvalho nas areias do deserto e, um instante, da noite para o dia, as areias vestem mantos floridos. Beleza efeméride, mas que regala os olhos e as almas que quem a observa. Não pela beleza que vê mas pela que sente.
São os pequenos milagres da vida.



Oração de um filho


Seria justo agradecer-te?
agradecer-te a vida seria pouco
para quem se oferece todos os dias
desde que a magia da natureza
gerou vida em teu ventre.

Tu, exaltas cada passo
que dou na minha jornada
e amparas todas as minhas quedas
mesmo coberta de lágrimas salgadas
guardas sempre um pedaço de céu para me dar.

Tu, conheces-me o suficiente
para chorar por mim antes que eu erre
e para me estender a mão antes que eu caia
julgas-me justamente apenas pelo que sou
sem nunca pecar por falta de zelo

Tu, continuas a embalar-me
como fazias noutros tempos
em que as histórias para adormecer
eram constantes e todos os finais
acabavam entre risos e luzes acesas
mas não me deixavas só,
adormecias comigo, velando meu sono
porque eu tinha medo do escuro.
então deixavas-te ficar apagando os meus medos.

Ensinaste-me a rezar
a pedir aos anjos que me guardassem
tanto a noite quanto o dia
e eu, olhava as estrelas
e orava pedindo sorrisos e alegria
vontades e sonhos de criança.

Hoje, continuo a rezar
mas faço apenas um pedido
ainda espero que as estrelas continuem a brilhar
que lá no céu escuro, a lua nunca se apague
que o sol seja sempre a luz dos nossos dias

E sobre tudo, peço a Deus
que te guarde sempre comigo
que me conceda o direito
de ser teu ombro para chorares
quanto a dor te pesar no coração
de te estender a mão
quando a idade te pesar no corpo
de ser tua companhia
quando o tempo não te poupar nas horas perdidas
de te ouvir
contando as historias que cada ruga marcou no teu rosto
de crescer contigo
porque um filho nunca é crescido o suficiente
para prescindir do colo da sua mãe.

Então Deus terá sido justo
deixando-me agradecer
todos os dias em cada oração vivida
tudo aquilo que és para mim
até ao dia em que partires
e mesmo assim,
talvez todos os gestos sejam poucos
para te agradecer toda uma vida
porque ser mãe é antes de mais
oferecer-se em prol de uma nova vida
e renascer em cada filho gerado.



(imagem do Google)

Ensaio da Liberdade


Tu, que és prisioneiro
já não temes as amarras do dia
nem as brisas da morte
apenas vives fingindo viver
apenas esperas a vontade de morrer

Tu, filho do pó da terra
deixaste tudo e partiste prá guerra
procurando aquilo que perdeste apenas em ti
e que nunca encontraste na tua pele
nem na alma que vestes no teu corpo apagado.

Tu, pedaço de sombra
já não tens sol nem luz que te guie
permaneces acorrentado
de mãos e pés atados
pensamentos derramados no chão
clamando sonetos de luxuria
enquanto pintas teus olhos de luto.

Tu, que te vendes ao diabo
esperando riquezas desmedidas
sonhas mares de prazer
acordas de mãos vazias
já sem alma, sempre sem coração
choras, como choras
preso nas teias da perdição.

Tu, que corres rumo ao abismo
podes vender-te, podes dar-te
podes calar-te e resumir-te a ti mesmo.
Porém, se ousares libertar-te
das correntes que te esmagam a mente
jamais farão de ti prisioneiro
jamais cortarão tuas asas
e talvez este mundo seja pouco
para seres quem tu quiseres. 



(Imagem do Google)